Porque são tingidas por ácidos liberados nos processos de decomposição de sedimentos orgânicos – que é o que não falta na floresta. Ao longo de seus 1.700 quilômetros, o Negro recebe naturalmente uma grande quantidade de restos de folhas, arbustos e troncos. No leito do rio, esses sedimentos são dissolvidos e decompostos. Nesse processo, ocorre a liberação de ácidos que dão à água aquela cor de chá.
Outro fator importante é a idade avançada do terreno na região. “O Negro corre em uma área rochosa, de formação geológica muito antiga”, segundo a engenheira florestal Hillandia Brandão, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Por isso, sua passagem não provoca grande erosão das margens – como ocorre com outro grande rio amazônico, o Solimões – impedindo que assuma cor barrenta. No encontro entre esses dois rios, que se juntam para formar o Amazonas, o contraste fica evidente: ao longo de 6 quilômetros, as águas escuras do Negro correm ao lado do caudal marrom do Solimões.
Os volumes demoram a se misturar porque há diferenças de temperatura e de velocidade nas correntezas dos rios. Enquanto as águas do Negro marcam 22ºC e correm mansas, a 2 km/h, o Solimões avança de 4 a 6 km/h com uma temperatura de 28ºC. Depois da confluência, o Amazonas passa a ter águas barrentas como as do Solimões – que leva a melhor no encontro porque tem maior volume d’água.
O Rio Negro é um dos três maiores rios do mundo, com volume de água maior do que em todos os rios da Europa. Seu volume d’água perde somente para o rio Amazonas (o qual ele próprio ajuda a formar, como será explicado mais adiante). Ele é também o maior afluente da margem esquerda do rio Amazonas, na Amazônia.
As águas negras contém milhares de ilhas e praias reveladas no período da vazante.
A cor da água do Negro foi alvo de especulação durante cerca de 200 anos por vários cientistas. Apenas no início da década de 80 que veio a resposta por meio dos estudos do químico americano Jerry A. Leenheer. As águas de todos os rios dependem em grande parte das interações químicas e físicas, como infiltração e escoamento, com as extensas áreas terrestres de drenagem adjacentes.
As águas pretas do Rio Negro e de muitos de seus efluentes possuem valores de pH entre 3,8 e 4,9, sendo, portanto, ácidas. Isso ocorre em razão da grande quantidade de substâncias orgânicas dissolvidas oriundas da drenagem dos solos arenosos adjacentes ao rio que possuem como vegetação a campina, a campinarana ou as caatingas amazônicas. Essa cor é resultado dos ácidos húmicos e fúlvicos resultantes da decomposição do húmus no solo que são lentamente transportados para o rio.
O húmus é uma compostagem natural realizada pelo sistema digestório das minhocas, por bactérias e fungos, que decompõem a matéria orgânica, agregando ao solo os restos de animais e plantas mortas e também seus subprodutos. O húmus é o mais completo adubo, não possuindo cheiro, sendo asséptico, rico em micro e macronutrientes, além de possuir textura macia em razão da granulometria das partículas do solo (silte e areia).
Portanto, o húmus que dá a cor preta é carregado para dentro do rio com as inundações, e o grau de acidez elevado é explicado exatamente por essa grande quantidade de ácidos em seu interior provenientes da decomposição dos vegetais.
Aproximadamente metade da matéria orgânica solúvel das águas do Rio Negro é de substâncias húmicas e a outra metade corresponde a ácidos orgânicos sem cor.
Além disso, em regiões de relevo plano em baixas altitudes, ocorre um fenômeno denominado podzolização, em que as chuvas removem do solo as partículas de argila e o material orgânico, formando os solos arenosos chamados de podzóis. Isso produz uma camada superficial de solo constituído basicamente de grãos de quartzo, que é a areia branca. As regiões do médio e alto Rio Negro possuem clima muito úmido e relevo plano, o que favorece a gênese desses solos e, por consequência, a formação de águas pretas.
Isso acontece da seguinte maneira: a camada de argila que fica abaixo da areia branca funciona como uma espécie de filtro que retém a matéria orgânica que passa com facilidade pela areia. As raízes das plantas alcançam esse solo arenoso que está rico em nutrientes, fazendo com que elas se desenvolvam e, consequentemente, aumentem a quantidade de restos de folhas e ramos no solo. Isso leva a um acúmulo de substâncias orgânicas decompostas e que vão sendo, com o tempo, dissolvidas nas águas do Rio Negro.