Em 12 de fevereiro de 1542, o explorador espanhol Francisco Orellana (1490-1550), vindo do Peru por via fluvial, atingiu o Rio Amazonas, então chamado de Rio Grande, Mar Dulce ou Rio da Canela. Foi o primeiro europeu a navegar o rio Amazonas. As informações são do site Ensinar História. (A imagem da abertura é de Francisco Orellana construindo o barco San Pedro, ilustração de 1594).
Orellana participou com Francisco Pizarro (1476-1541) da conquista do Peru submetendo o Império Inca ao domínio espanhol em 1532-1535. Em 1541, concordou em participar de uma expedição a leste dos Andes em busca de canela e do lendário Eldorado, a terra de ouro.
Navegando rio abaixo a bordo do bergantim Victoria com 57 homens armados, Orellana fez a perigosa descida para as terras baixas da Amazônia. Depois de meses de busca e perambulação na selva e com a correnteza do rio cada vez mais forte em pleno período de chuvas, Orellana concluiu ser impossível retornar conforme combinara com Pizarro.
Para seguir em frente, foi construído um segundo navio com ajuda dos índios nativos, os Cotos. A bordo do San Pedro, Orellana e seus homens atingiram, no dia 12 de fevereiro de 1542 o rio Amazonas então chamado de Rio Grande, Mar Dulce ou Rio da Canela. No dia 3 de junho avistaram a desembocadura do Rio Negro e no dia 10, o Rio Madeira.
Foi por esse tempo que a expedição soube, pelos índios locais, da existência das “amazonas”. Eles teriam então recomendado que
(…) se fossemos ver as amazonas, que chamam na sua língua coniupuiara, que quer dizer grandes senhoras, que víssemoa o que fazíamos, porque éramos poucos e elas muitas, e que nos matariam. Que não parássemos em sua terra (…) (CARVAJAL, 1941, p. 30).
A viagem rio abaixo levou a encontros com grupos indígenas diversos, algumas vezes pacíficos sendo recebidos com “grande quantidade de comida, tanto de tartarugas como de manatis e outros peixes, perdizes, gatos e monos assados”, como relata o frei dominicano espanhol Gaspar de Carvajal (1504-1584) que acompanhou Orellana.
Outras vezes, os encontros foram belicosos:
Começamos a navegar, sem que os índios nos deixassem de seguir e dar combate, porque destas aldeias se tinham reunido mais de 130 canoas, nas quais havia mais de 8.000 índios e por terra era incontável a gente que aparecia. Entre esta gente e canoas de guerra andavam quatro ou cinco feiticeiros, todos pintados e com as bocas cheias de cinzas que atiravam para o ar, tendo nas mãos uns hissopes, com os quais atiravam água no rio, à maneira de feitiços, e depois de contornar os nossos bergantins, chamavam a gente de guerra, e logo começavam a tocar seus tambores, cornetas e trombetas de pau, e com grande gritaria nos atacavam. Mas os arcabuzes e balhestras, depois de Deus, eram o nosso amparo. (CARVAJAL p.43)
A região era, então, densamente povoada a considerar os relatos de Carvajal. Em outros trechos, ele fala de ataques indígenas em centenas pirogas com vinte a trinta índios, e algumas com quarenta índios em cada uma. Rota de Francisco Orellana na Amazônia. Indicado por uma flecha, o local onde teria ocorrido o encontro com as amazonas.
O encontro com as conhapuiaras
À medida que desciam rio, os espanhóis passaram por muitas aldeias tributárias das Amazonas, até que no dia 24 de junho teria ocorrido o violento encontro com as índias guerreiras.
Nós as vimos, que andavam combatendo diante de todos os índios como capitãs, e lutavam tão corajosamente que os índios não ousavam mostrar as espáduas, e ao que fugia diante de nós, o matavam a pauladas. (…) Estas mulheres são muito alvas e altas, com o cabelo muito comprido, trançado e enrolado na cabeça. São muito membrudas e andam nuas em pelo, tapadas as suas vergonhas, com os seus arcos e flechas nas mãos, fazendo tanta guerra como dez índios. E em verdade houve uma destas mulheres que meteu um palmo de lecha por um dos bergantins, e as outras um pouco menos, de modo que os nossos bergantins pareciam porco espinho (CARVAJAL, p.60-61).
As belicosas indígenas expulsaram os espanhóis. Querendo saber mais a respeito das “amazonas”, conta Carvajal que Orellana capturou um indígena e lhe fez muitas perguntas, que reproduzimos a seguir.
Perguntou-lhe o Capitão que mulheres eram aquelas que tinham vindo (…) fazer-nos guerra. Disse o índio que eram umas mulheres que residiam no interior, a umas sete jornadas da costa. Perguntou o Capitão se estas mulheres eram casadas e o índio disse que não. (…) Perguntou o Capitão se estas mulheres eram muitas. Disse o índio que sim, e que ele sabia, pelo nome, setenta aldeias (…).
Perguntou o Capitão se estas aldeias eram de palha. Disse o índio que não, mas de pedra e com portas, e que de uma aldeia a outra iam caminhos cercados de um e outro lado e de distância em distância com guardas, para que não possa entrar ninguém sem pagar direitos. Perguntou-lhe o Capitão se estas mulheres pariam.
Disse o índio que sim. Perguntou o Capitão como emprenhavam não sendo casadas, nem residindo homens com elas. Ele disse que estas índias coabitavam com índios de tempos em tempos (…) e depois que se acham prenhas os tornam a mandar para a sua terra sem lhes fazer outro mal; e depois quando vem o tempo de parir, se têm filho o matam ou o mandam ao pai; se é filha, a criam com grande solenidade e a educam nas coisas de guerra.
Disse mais que entre todas estas mulheres há uma senhora que domina e tem todas as demais debaixo da sua (..) que se chama Conhorí. Disse que há lá imensa riqueza de ouro e prata, e todas as senhoras principais e de maneira possuem um serviço todo de ouro ou prata, e que as mulheres plebeias se servem em vasilhas de pau, exceto as que vão ao fogo, que são de barro. Disse que na capital e principal cidade, onde reside a senhora, há cinco casas muito grandes, que são adoratórios e casas dedicadas ao Sol (…) e que os tetos são forrados de pinturas de diversas cores. Nestas casas tem elas ídolos de ouro e prata em figura de mulheres, e muitos objetos de ouro e prata para o serviço do Sol. Andam vestidas de finíssima roupa de lã, porque há nessa terra muitas ovelhas das do Peru [vicunhas]. Seu traje é formado por umas mantas apertadas nos peitos para baixo, o busto descoberto, e um manto atado na frente por uns cordões. Trazem os cabelos soltos até ao chão e, na cabeça, coroas de ouro, da largura de dois dedos. (Carvajal, p.65-67)
Não sabemos se o diálogo é fidedigno, e o relator também não esclarece em que língua conversaram. Fica, porém, evidente, na narrativa de Carvajal, a maneira como o diálogo é conduzido para convencer o leitor da veracidade das amazonas, as mulheres guerreiras da antiga Cítia, citadas por Homero. Não menciona, contudo, que as tais guerreiras tinham os seios extirpados.
O episódio recriou a lenda das amazonas em uma versão para a América, e inspirou a imaginação dos aventureiros europeus. Ao ser informado do relato, o rei Carlos V da Espanha ficou de certo modo tão impressionado que assim deu o nome ao rio – Amazonas, nome que também se estendeu à maior floresta equatorial do mundo que o cerca.
O final da expedição de Orellana
Derrotados pelas “amazonas”, os espanhóis fugiram navegando rio-abaixo. Em 26 de agosto de 1542 chegaram ao enorme delta do rio Amazonas. Apesar dos constantes ataques indígenas, somente doze homens haviam morrido. Os espanhóis seguiram ainda navegando ao longo da costa em direção ao porto espanhol mais próximo, Trinidad, ilha na costa da atual Venezuela.
Orellana calculou ter percorrido 1.800 léguas, cerca de 7.500 quilômetros. Os detalhes de sua aventura ficaram registrados pelo frei Carvajal, em sua “Relación del nuevo descubrimiento del famoso Rio Grande de las Amazonas”.
Orellana relatou sobre grandes cidades e milhões de pessoas instaladas nas margens do Amazonas. Quando expedições posteriores navegaram pelo rio, não encontraram nada além da floresta tropical. Acreditou-se, então, que Orellana teria mentido.
Pesquisas mais recentes, entretanto, têm constatado que a Amazônia pode ter abrigado grandes populações conforme indica a existência de amplas áreas de Terra Preta – um importante indicador de assentamento humano. Possivelmente, o vazio demográfico relatado por exploradores posteriores tenha sido resultado de epidemias introduzidas pelos conquistadores europeus.
Outras expedições em busca das “amazonas”
Pedro Teixeira
Pedro Teixeira, 1637 Quase um século depois de Orellana, o português Pedro Teixeira (1570 ou 1587-1641) chefiou uma expedição, em 1637, partindo de Belém, com 45 canoas, setenta soldados e mil e duzentos flecheiros e remadores indígenas subindo o curso do rio Amazonas. Seu objetivo era confirmar a comunicação entre o oceano Atlântico e o Peru, seguindo a mesma rota de Francisco Orellana. Seu destino final foi Quito, no Equador, em 1638.
O jesuíta espanhol Cristóbal de Acuña (1638-1639) faz o registro da expedição de Pedro Teixeira em sua obra Novo Descobrimento do Rio Amazonas, publicada em 1641. O governo espanhol mandou recolher e destruir a publicação. Preocupava-se com a divulgação da rota para as minas peruanas e com as pretensões territoriais portuguesas relacionadas à sua Colônia na América, sobretudo no momento da Restauração. Esta medida, entretanto, não impediu que, mais tarde, a expedição de Pedro Teixeira fosse usada pela Coroa lusitana para reivindicar a posse da Amazônia.
Em seu relato, o jesuíta repete as informações sobre as amazonas, anteriormente escrita por Carjaval sem, contudo, confirmar se, de fato, havia visto as mulheres guerreiras. Acuña acrescenta outros mitos como a existência de gigantes de “dezesseis palmos de altura, muito valentes, andam nus e trazem grandes patenas de ouro nas orelhas e narizes” que viviam à margem do rio Cuchiguará e dos quais “só ouviu falar”. Relata ainda sobre uma tribo de anões e outra de estranhos indígenas que possuem os pés o contrário (MAFRA, 2010-2012.
Walter Raileigh
O corsário inglês Walter Raileigh (1552 ou 1554 -1618) também se aventurou pela Amazônia em 1617. Em seus relatos, menciona a existência de animais mitológicos nas terras amazônicas. Acreditou ter encontrado o tão buscado El Dorado, a cidade toda feita de ouro maciço e puro, na região do delta do rio Orinoco, na Venezuela. Raleigh menciona as amazonas que, segundo ele, viviam próximo à Guiana. Seu relato é ilustrado por xilogravura que reforça o imaginário europeu sobre as mulheres guerreiras. A imagem mostra o único momento de encontro das amazonas com homens das regiões vizinhas com o objetivo principal de procriação (OLIVEIRA, 2020).
Charles-Marie de La Condamine
Em maio de 1743 foi a vez do cientista e explorador francês Charles-Marie de La Condamine (1701-1774) se aventurar pela Amazônia. Foi o primeiro cientista a percorrer o curso do rio Amazonas. Partindo de Quito, dirigiu-se às cabeceiras do rio Amazonas, que desceu até Belém do Pará, onde chegou em setembro daquele ano. No percurso faz um levantamento do curso do rio, procedendo a observações astronómicas para fixar com segurança a sua posição. Também estuda a vegetação e a antropologia dos povos que encontra, interessando-se em especial pela seringueira e pelo uso do curare. Uma das coisas que chamou sua atenção foi uma bola feita com látex, que quicava, algo que, na época, era surpreendente, visto que era uma espécie de confronto a lei da gravidade.
La Condamine investiga também a existência das amazonas e do mítico Eldorado. Seu relato pouco esclarece, mas também não nega a existência das amazonas, e ainda dá uma explicação sobre a origem delas:
Se é que já pôde haver amazonas no mundo, foi na América, onde a vida errante das mulheres que seguem seus maridos para a guerra, e que não são mais felizes em sua vida doméstica, deve ter feito nascer nelas a ideia e lhes fornecido ocasiões frequentes de se livrar do jugo de seus tiranos, procurando estabelecer um ambiente onde pudessem viver com independência e, ao menos, não serem reduzidas à condição de escravas ou burros de carga. (citado por SAFIER, 2009.)
Em sua crônica da viagem, publicada nas “Memórias da Academia de Ciências”, La Condamine narra o caso de um soldado francês que teria avistado pedras verdes — os muiraquitãs — no pescoço de índias da terra das “mulheres sem maridos”. Esse vestígio material era o que faltava para legitimar a tese, num tempo em que a ciência se apoiava muito em provas concretas.
Spix e Martius
Os naturalistas Spix e Martius que percorreram a Amazônia entre 1817 e 1820 não deixaram de perguntar a muitos informantes locais sobre a existência de mulheres guerreiras e concluíram que:
“Pelo geral interesse que o assunto desperta, confie o leitor na declaração de que nós, Dr. Spix e eu, não poupamos trabalhos para obter alguma luz ou certeza sobre o caso. Entretanto, não avistamos em parte alguma uma Amazona, nem ouvimos de pessoa fidedigna de origem europeia, que de longe se referisse a essa tradição fabulosa.” (citado por MOTT, 1990).
Afinal, as amazonas existiram?
Relatos sobre a existência de amazonas na América foram coletados por cronistas espanhóis e portugueses:
Diego D’Almagro, conquistador do Chile, registra, em 1535, que índios daquela região afirmaram que havia uma vasta terra, acima de dois grandes rios, habitada só por mulheres, cuja rainha era chamada de Gauboymilla.
Pero de Magalhães Gandavo, em 1576, chamava ao grande rio Maranon de rio das Amazonas, comprovando a divulgação deste mito. Gabriel Soares de Souza, em 1587, relata que os índios Ubirajara, do sertão da Bahia, informaram que “sempre tem guerra com umas mulheres que dizem ter uma só teta, que pelejam com arco e flecha, e se governam e regem sem seus maridos, como se diz das Amazonas”.
Cristóbal de Acuna, em 1639, informa que, no vice-reinado de Nova Ganada (Colômbia), na cidade de Patos, indígenas de diferentes nações afirmaram a existência de terras povoadas só por mulheres. Embora diferentes indígenas, em diferentes pontos da América meridional tenham relatado ter visto ou mesmo visitado as amazonas em sua terra, apenas a expedição de Orellana as viu face a face, enfrentando um pequeno grupo delas em um combate, como relatamos acima.
Alguns estudiosos encontram as amazonas, na tradição tupi, na forma das icamiabas ou “mulheres sem maridos”, mulheres que não concordaram com as leis propostas pelo herói-reformador Jurupari para sujeitar a mulher ao homem. Outros lembram que, em muitas etnias amazônicas, a mulher tem um papel importante, substituindo o homem em certas funções como a caça e a pesca. Icamiaba também era o nome de um morro no Equador, mas verificou-se que ali não habitavam mulheres guerreiras.
O antropólogo e historiador Luiz Mott apresenta outra análise, A meu ver, urgem desembaraçar dois equívocos etnohistóricos divulgados ao longo dos séculos passados, que seriam os responsáveis pela manutenção tão constante e quase universal, dentro do continente sul-americano, da lenda destas ilustres e indômitas senhoras. Trata-se da confusão das supostas coniupuiara com as chamadas “virgens do sol” dos Andes ou sua associação com as guerreiras lésbicas de inúmeras tribos ameríndias – estas sim, perfeitamente documentadas pela historiografia. (MOTT, 1990).
Fonte CARVAJAL, Gaspar de. Relatório do novo descobrimento do famoso Rio Grande descoberto pelo capitão Francisco Orellana. Rio de Janeiro: Scritta, 1992. CARVAJAL, Gaspar de; ROJAS, Alonso de & ACUÑA, Cristobal. Descobrimentos do Rio das Amazonas. Companhia Editora Nacional, 1941 (Coleção Brasiliana). BUARQUE DE HOLLANDA, Sérgio. Visão do Paraíso. São Paulo: Brasiliense, 1986. MAGASICH-AIROLA, Jorgge & DE BEER, Jean-Marc. América mágica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. MOTT, Luiz. “As amazonas: um mito e algumas hipóteses”. In: VAINFAS, Ronaldo (org.). América em tempo de conquista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. __________. “As Amazonas: um mito e algumas hipóteses”. Revista de História. Universidade Federal de Ouro Preto, v. 1, 1990. LANGER, Johnni. As indestrutíveis amazonas. Revista de História da Biblioteca Nacional, n. 34, julho 2008. PORRO, Antônio. As crônicas do Rio Amazonas. Petrópolis (RJ): Vozes, 1992. PAPAVERO, Nelson et alii. O novo Éden. Belém (PA): Museu Paraense Emílio Goeldi, 2000. OLIVEIRA, Jo (adaptação). As Amazonas. A conquista do rio-mar pelo capitão Francisco de Orellana segundo Frei Gaspar de Carvajal. São Paulo: Cortez, 2010. MAFRA, Sandoval da Silva. A visão amazônica do pe. Acristóbal Acuña: da viagem à invenção da Amazônia. Língua e Literatura, n. 30, 2010-2012, p. 217-234. OLIVEIRA, Adriano Rodrigues de. As Amazonas do novo mundo: análise das fontes literárias e iconográficas dos séculos XVI e XVII. Revista de História e Estudos Culturais, v.17, ano 17, n. 1, jan-jun 2020. SAFIER. Neil. Como era ardiloso o meu francês: Charles-Marie de la Condamine e a Amazônia das Luzes. Revista Brasileira de História, 29 (57) jun. 2009.