Às vésperas de completar quatro décadas, os naufrágios do navios Sobral Santos II, que foi a pique no porto de Óbidos, na madrugada de 19 de setembro, e do Novo Amapá, que afundou em 6 de do mesmo ano de 1981, são recontados em detalhes no livro “Sobral Santos e Novo Amapá – 40 anos de impunidade”.
Autor do livro, Evandro Corrêa, nascido na localidade ribeirinha Buburé, zona rural de Itaituba, começou a se dedicar ao projeto há cinco anos, mas as histórias de naufrágios sempre o instigaram. Quando ocorreu o naufrágio do Sobral Santos II, ele tinha 10 anos e morava na capital, Belém. “Cresci vendo as embarcações partirem, sempre lotadas, do cais do porto. O descaso e a falta de fiscalização, por parte das autoridades portuárias, aliadas à ganância dos donos de embarcações, sempre foram a tônica da navegação na região”, afirma.
Faz quase 40 anos, mas naufrágio do Sobral Santos II ainda perturba o sono de Nazaré dos Santos. Então uma jovem de 26 anos, ela perdeu recém-chegada a Itaiatuba, no interior do Pará, ela perdeu cinco parentes na tragédia: a tia, Helena Machado Baia, a neta dela, Kilze Machado Baia, de 3 anos, a prima Maria do Socorro Machado de Moura, e as duas filhas dela, Marcela Machado de Moura, de 4, e Márcio Machado de Moura, de apenas 1 ano. Todos morreram presos dentro de um dos camarotes da embarcação.
Durante dias, assim como centenas de pessoas, Nazaré ficou sentada à beira do cais à espera do resgato dos corpos. “O último corpo a ser retirado do camarote foi o do meu sobrinho Márcio, que tinha apenas 1 ano. Devido ao adiantado estado de decomposição, os corpos não foram levados para Itaituba, sendo todos sepultados em Óbidos, onde foram resgatados “, relembra Nazaré, hoje uma servidora pública de 65 anos. Ao todo, mais de 300 dos cerca de 600 passageiros da embarcação morreram no acidente com o navio, que havia partido de Santarém rumo a Manaus.
Poucos meses antes, um outro naufrágio no Pará havia deixado mais de 400 mortos. O Novo Amapá afundou no rio Cajari, em Almeirim. “Na hora que virou o pessoal só fazia gritar por socorro, mas a noite era muito escura e não dava para ver ninguém. Aí o barco virou, eu pulei, nadei para a beira, o lado mais perto das margens”, rememora José Costa. Ele tinha 18 anos quando embarcou junto com o irmão de 21 anos, a cunhada e o sobrinho. Os três, ele nunca voltou a ver e nem conseguiu reconhecer em meio a tantos corpos.
Como entrega o título do livro, ninguém jamais foi punido por acidentes que juntos afundaram mais de 700 vidas.
O que se sabe é que mais da metade das pessoas que embarcaram no Novo Amapá morreram. Alguns corpos foram enterrados, outros acabaram levados pelo rio. A cena dos corpos sobre a água foi registrada pela Rede Amazônica naquele tempo, como lembra o apresentador de TV aposentado Sebastião Oliveira, que na época fez reportagem e sobrevoou o local do acidente. “O que a gente via de cima eram corpos ao longo do rio. Aquilo marcou, e deixou uma comoção do povo local.”
Com relatos e depoimentos de autoridades, sobreviventes e testemunhas, o livro reconta as histórias dos naufrágios. Nos dois casos, ninguém foi responsabilizado ou punido pelos dois naufrágios, conhecidos como as maiores tragédias náuticas do Brasil, só perdendo, em números de vítimas, para o naufrágio do navio Príncipe das Asturias, ocorrido em São Paulo em 1916, matando mais de 400 pessoas.
O livro, que conta os momentos de agonia e desespero dos passageiros, reforça que tanto no naufrágio do Sobral Santos II como no do Novo Amapá, a superlotação e o excesso de carga deram o tom da tragédia. O difícil acesso e a demora na chegada de equipes de resgate dificultou a retirada da maioria dos corpos do fundo das águas. Em Santana, no Amapá, e em Óbidos, corpos foram amontoados e sepultados, sem identificação, as dezenas, em enormes valas”, diz a publicação.
O barco não tinha lista de passageiros, o que impossibilita, até hoje, determinar o número exato de mortos. Em Óbidos, onde foram sepultadas a maioria das vítimas, apenas as grandes valas, sem nomes de identificação, lembram aquela fatídica data. O porto da cidade, por muitos anos, ficou com a pecha de “cais Fantasma”. Com uma investigação precária e inconclusiva, a história é hoje apenas um arquivo, sem responsabilização e punição dos culpados. O navio, hoje com nome Cisne Branco, continua transportando cargas e passageiros nos rios da Amazônia.
No caso do naufrágio do Novo Amapá, familiares das vítimas ingressaram na justiça com pedido de indenização e responsabilização dos proprietários,da União e do Estado. No entanto, o processo foi arquivado em 1997. Até hoje, sobreviventes e familiares de vítimas se encontram anualmente, no dia de finados, no cemitério de Santana, para velar seus mortos e manter viva a história da tragédia.
Além de narrar os dois maiores naufrágios ocorridos no Pará, o livro também faz um resumo cronológico das grandes tragédias amazônicas, com as histórias de mais de quarenta naufrágios ocorridos na região, nas últimas quatro décadas
O autor criou o Blog https://sobralsantosenovoamapanaufragio.blogspot.com/ e também uma página no Facebook @sobralsantosenovoamapanaufragio com a finalidade de manter contato com vítimas, familiares e testemunhas das tragédias, que queiram dar seu depoimento para a obra. Os contatos podem ser feitos pelos números 91 9 8126 2993 ou 9 8284 – 3175. (ZAP).