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Mercado náutico brasileiro vive melhor momento de maturidade, diz referência do design naval à Forbes

O Brasil, que já está entre os 10 maiores fabricantes de barcos do mundo, produz 4,5 mil novas embarcações por ano.

Um dos maiores designers náuticos do mundo, Tony Castro, responsável por projetos para estaleiros do mundo todo, está com olhos voltados para o Brasil: o português radicado na Inglaterra acaba de firmar uma parceria inédita com a brasileira Fibrafort para redesenhar toda a icônica linha Focker, com os primeiros modelos previstos para 2026. E deu entrevista à Forbes.

Castro é um ícone do setor. No currículo, tem cerca de 13 mil embarcações assinadas em 45 anos de carreira. Vencedor de prêmios como o de ‘Melhor Design Exterior’ no Monaco Yacht Show, seu trabalho se destaca pela combinação de linhas elegantes, eficiência hidrodinâmica e soluções inovadoras, mesclando métodos clássicos da arquitetura naval com tecnologias de ponta, como modelagem 3D.

A chegada do designer ao país acontece em um momento de franca expansão para o setor náutico nacional. O Brasil, que já está entre os 10 maiores fabricantes de barcos do mundo, produz 4,5 mil novas embarcações por ano e possui um potencial imenso – afinal, são 8,5 mil quilômetros de litoral e mais de 40 mil quilômetros de vias navegáveis –, segundo a Acobar (Associação Brasileira de Construtores de Barcos).

Em uma conversa com a Forbes, o designer, que mantém escritórios na Inglaterra e em Portugal, detalhou os planos para a nova geração de lanchas e compartilhou sua visão otimista sobre a evolução do mercado brasileiro, que ele considera mais “maduro e educado” do que nunca, defendendo o potencial do país para se tornar uma potência exportadora.

Castro também analisou as tendências globais, desde os desafios impostos por tarifas, como as do governo Trump, até a corrida pela sustentabilidade, com a busca por materiais como o bambu e novos combustíveis, como o metanol — que, segundo estudos da consultoria MarketsandMarkets Research, deve movimentar um mercado de quase US$ 31 bilhões até 2035.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista com Tony Castro

Forbes  – Como você percebe o mercado náutico global atualmente? Ele está aquecido?

Tony Castro – O mercado náutico aquece de tempos em tempos. Em 45 anos de carreira, já passei por quatro recessões mundiais. Em cada uma delas, o impacto é quase imediato, porque, na realidade, ninguém precisa de um barco – é um luxo. Portanto, a primeira coisa a ser cortada é o designer. A pandemia foi diferente, porque o apetite por andar de barco aumentou. Amigos meus que vendiam 30 ou 40 barcos usados por mês, durante a Covid passaram a vender 150. O que nos afeta mesmo, frequentemente, são as recessões financeiras.

Agora, estamos em uma fase de subida tímida, depois de uma boa queda. Com as guerras e instabilidades, o apetite por gastar também é afetado. Um exemplo concreto foram as tarifas impostas pelo governo Trump, que causaram um problema extremo aos meus clientes. Estaleiros europeus que exportavam para os Estados Unidos viram seus negócios terminarem de um dia para o outro. Com tarifas de 50%, os revendedores americanos pararam de comprar. O resultado foi um desastre. Tive clientes que precisaram demitir 400 empregados.

Com uma carreira tão longa, como você define o DNA de Tony Castro hoje?

É difícil de definir, porque o nosso DNA sofreu alterações ao longo dos anos para nos mantermos atuais. Para continuar envolvido em um alto nível, foi preciso se reinventar. Existem dois tipos de designers: aqueles que têm um estilo próprio, como um artista, e fazem tudo de forma parecida; e aqueles que, como nós, se adaptam aos requerimentos do cliente. Quando desenhamos para uma fábrica, é ela que tem seu DNA. Nós usamos nosso know-how para evoluir essa marca, criando um visual mais moderno e único, mas que será diferente do que faremos para outro cliente amanhã. Por isso, não se pode dizer “isso é igualzinho a um Tony Castro”.

O que o consumidor de barcos de luxo prioriza hoje que era diferente há 20 anos?

A ideia de ter a qualidade de vida que um barco oferece é muito parecida com a de antigamente. O que mudou é que hoje o cliente é muito mais audacioso. Antigamente, as pessoas dependiam mais do que nós oferecíamos. Hoje, elas vêm com ideias muito mais ousadas, querendo trazer os luxos terrestres para o mar. Querem uma banheira como a de casa no barco. Já desenhei até uma capela dentro da embarcação. Hoje, a maioria das pessoas quer uma casa flutuante, que mantém a qualidade de vida a que estão habituadas, mas que pode se mover de um continente a outro.

A sustentabilidade se tornou uma preocupação real nesse setor?

Sim, essa preocupação tem sido puxada pelo que se passa no mundo. Um cliente querer um barco mais ecológico ou não depende totalmente da sua percepção. Há muitas coisas que o design pode fazer, desde diminuir a poluição até usar materiais renováveis. O problema é que muitos clientes não se dão conta do custo disso. Como ainda não é feito em grande escala, o preço é mais alto.

Tenho usado muito o bambu em interiores, por exemplo, que cresce rápido e tem um custo menor. Já substituir a madeira teca no convés é muito difícil. Também há muito interesse em novas propulsões. Os biocombustíveis são uma opção, e o metano já é usado em grandes barcos, pois exige pouca ou nenhuma alteração nos motores e tanques.

Falando do Brasil, como percebe a fase atual do mercado náutico nacional?

Muito boa. Anos atrás, eu tentei alertar as fábricas brasileiras sobre seu potencial, mas elas não conseguiam ter a visão do que podiam ser. A energia não chegava para terem essa força de visão. Foi preciso esperar este tempo todo para a comunidade náutica do Brasil desenvolver maior maturidade e conhecimento. Hoje, o mercado nacional brasileiro é mais educado: o cliente conhece melhor o que se faz no resto do mundo e, por isso, exige mais das marcas. Ele pede que as fábricas nacionais se desenvolvam para oferecer o mesmo nível do que há lá fora. Agora, já há várias empresas brasileiras colaborando com designers de nível internacional, o que demonstra essa nova fase.

O que te atraiu na parceria com a Fibrafort para a linha Focker?

Este contrato me dá muito prazer porque eu tento fazer algo parecido no Brasil desde 1981. Eu nunca entendi por que o Brasil, com seu potencial fantástico de mão de obra, não conseguia fabricar e, sobretudo, exportar para o resto do mundo. Desde a pandemia, porém, vi uma energia muito grande dos estaleiros brasileiros nos salões internacionais. A Fibrafort, que já conhecíamos, tem um mercado nacional muito grande, o que é importante, pois estaleiros com boa força nacional acabam por ser os que têm mais sucesso em exportar. Percebemos que tínhamos pontos de vista muito parecidos. A intenção é elevar o produto a um nível ainda mais alto e temos um programa de três anos para isso, em que vamos fazer vários modelos novos, um atrás do outro – primeiro embarcações pequenas, depois maiores. É uma parceria bem enérgica e corajosa.

Em termos de design, qual é o plano para estes novos barcos?

Temos que ser inteligentes. A ideia é modernizar o design, utilizando o melhor da experiência que a Fibrafort já tem. Queremos trazer novas influências do ponto de vista visual e da experiência do usuário, mas manter as características que são muito brasileiras. Um exemplo é o hábito do brasileiro de ter o churrasco na plataforma traseira do barco. Eu vi isso no Brasil há muitos anos e nunca existia no resto do mundo. É muito lógico, porque o barco está ancorado ao vento, e a fumaça vai todo para trás, não para dentro. É preciso ter o cuidado para não fazer mudanças de forma ignorante: temos que evoluir, mas sem ofender o cliente nacional.

Qual é a sua principal ambição com essa nova fase no Brasil? O que espera para o futuro?
Eu gostaria de inspirar o Brasil a exportar. Enquanto o mercado nacional tiver o potencial da sua mão de obra, é preciso aproveitar. Quero poder influenciar e dar coragem para que os estaleiros pensem nisso e se dediquem mais ao potencial de exportação para melhorar seus negócios. E, sobretudo, no dia em que isso for uma prioridade, eu estarei ali para ajudar no design – porque, para exportar, especialmente para os Estados Unidos, há uma série de aspectos diferentes que precisam ser feitos para o mercado americano aceitar o produto.

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